Decreto busca profissionalizar o serviço público federal com o estabelecimento de critérios padronizados para a avaliação de desempenho nos três primeiros anos de serviço
Por Eugênia Lopes — Especial para a República.org
O governo federal deu um passo na reformulação da gestão de pessoas ao regulamentar pela primeira vez, de forma unificada, o estágio probatório de servidores públicos civis do Poder Executivo. O Decreto nº 12.374, de 6 de fevereiro de 2025, estabelece critérios padronizados para a avaliação de desempenho nos três primeiros anos de serviço, etapa obrigatória para a aquisição da estabilidade no cargo.
A nova regulamentação torna o estágio probatório uma etapa estruturada da vida profissional do servidor, com avaliação contínua, capacitação obrigatória e diretrizes para realização de feedbacks regulares pela chefia imediata.
“O foco não está na punição ou exoneração, mas no desenvolvimento do servidor. Estamos tirando o viés punitivista do processo avaliativo e colocando ênfase na qualificação e integração do servidor à cultura institucional”, explica Priscila Aquino, coordenadora-geral de Desempenho e Desenvolvimento de Pessoas no Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MIG).
Novo modelo de avaliação ‘ignora competências cruciais’, diz conselheira
Renata Vilhena, professora da Fundação Dom Cabral e conselheira da República.org, alerta que o novo modelo de avaliação ainda se ancora em critérios considerados defasados, apesar dos avanços promovidos pelo decreto. “É um modelo que privilegia o cumprimento formal, mas ignora competências cruciais como empatia, pensamento crítico e capacidade de resolver problemas complexos”, argumenta Vilhena.
De acordo com a Lei n.º 8.112/1990, a avaliação de desempenho dos servidores públicos baseia-se em cinco fatores orientadores: assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade. “Esses critérios refletem uma concepção tradicional da gestão de pessoas, centrada no cumprimento de normas e na estabilidade funcional”, pondera a conselheira.
Em sua avaliação, o novo decreto é “insuficiente diante das exigências contemporâneas da administração pública, sobretudo no que se refere à incorporação de competências transversais valorizadas por organismos internacionais e adotadas em boas práticas de gestão pública”. Vilhena defende o estabelecimento de critérios que priorizem “habilidades como análise crítica, resolução de problemas complexos, empatia e gestão de conflitos, fundamentais para o enfrentamento de desafios em ambientes institucionais dinâmicos e interdependentes”.
Regulamentação padroniza regras de avaliação
Antes do Decreto n.º 12.374, cada órgão ou entidade da administração pública federal era livre para estabelecer suas próprias regras de avaliação durante o estágio probatório. Alguns órgãos realizavam uma única avaliação em três anos; outros, três avaliações anuais. Em certos casos, a nota vinha exclusivamente da chefia imediata.
A nova regulamentação elimina essa desigualdade ao padronizar o processo para mais de 200 órgãos e entidades do Executivo federal. Ou seja, a padronização prevista no decreto garante que os procedimentos de avaliação de desempenho sejam aplicados de maneira uniforme entre os diversos órgãos. “Isso garante uma isonomia na metodologia e mais segurança aos servidores, já que, anteriormente, cada órgão ou entidade podia estabelecer suas próprias regras de avaliação”, constata Renata Vilhena.
A padronização garante isonomia na metodologia e mais segurança aos servidores. Anteriormente, cada órgão ou entidade podia estabelecer suas próprias regras.
Renata Vilhena, presidente do Conselho da República.org
Agora, o desempenho será avaliado com base em cinco fatores definidos na Lei n.º 8.112/1990: assiduidade, disciplina, iniciativa, produtividade e responsabilidade. O novo modelo introduz uma sistemática de três ciclos avaliativos, aos 12, 24 e 32 meses de exercício do cargo.
Em cada fase, os servidores passam por feedbacks formais que envolvem diferentes perspectivas: a da chefia imediata, dos pares que sejam estáveis e tenham mais de seis meses de atuação na mesma equipe do avaliado e a própria autoavaliação. A chamada avaliação 360 graus é um dos destaques da mudança. “Ela evita análises parciais e autoritárias. Ao permitir a participação de todos no processo, a avaliação se torna mais justa, transparente e coerente com a realidade institucional”, afirma Vilhena.
Segundo Priscila Aquino, o novo modelo valoriza o diálogo contínuo e fortalece o vínculo entre servidores e lideranças: “a avaliação passa a ser um momento de aprendizado. A cultura de feedback vira prática institucional desde o início da carreira”, diz a coordenadora do MIG.
O servidor só será considerado aprovado no estágio probatório se alcançar, ao final dos três anos, média mínima de 80 pontos. Além disso, ele precisará concluir o Programa de Desenvolvimento Inicial (PDI), uma formação obrigatória voltada aos novos servidores.

Capacitação de servidores em estágio probatório passa a ser obrigatória
A criação do PDI é apontada como uma das grandes inovações do decreto 12.374/2025. A cargo da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), o programa busca promover valores do ethos público e preparar o servidor para atuar com foco em resultados, ética e cidadania.
“O PDI oferece conhecimentos transversais como organização da administração pública, integridade, Estado Democrático de Direito, políticas públicas e letramento digital. Ele é estruturado para garantir que o novo servidor compreenda o papel estratégico da sua função no Estado”, afirma Priscila Aquino.
A capacitação foi desenhada com trilhas distintas para níveis médio e superior, variando na carga horária e na profundidade dos conteúdos. O ideal é que o servidor conclua o PDI nos dois primeiros anos do estágio, com possibilidade de prorrogação em casos justificados, como licenças médicas ou maternidade.
O decreto também fortalece os instrumentos de governança ao instituir uma Comissão de Avaliação Especial de Desempenho, composta exclusivamente por servidores estáveis. Essa comissão será a instância máxima para consolidar as avaliações finais, decidir recursos e assegurar os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Durante o processo, se o servidor discordar de uma nota atribuída, poderá recorrer ao avaliador — seja a chefia ou um colega — e, posteriormente, à comissão. “Isso reforça o caráter democrático do modelo e a segurança jurídica dos servidores”, observa Priscila Aquino.
Atualmente, o índice de reprovação no estágio probatório no Executivo federal é de apenas 0,23% na última década. “O propósito do decreto não é eliminar servidores, mas garantir que a estabilidade seja concedida com base em mérito, preparo e aderência aos princípios da administração pública”, defende Vilhena. “A redefinição das regras traz ganhos para o processo como ferramenta de gestão e aprendizado.”
Segundo a coordenadora Priscila Aquino, a efetividade do novo sistema será medida por diversos indicadores: evolução das notas, cumprimento do PDI, aumento da produtividade e percepção dos envolvidos sobre o processo. “O sucesso não se mede apenas por exonerações ou promoções, mas pelo impacto real na cultura institucional e na entrega de valor à sociedade”, argumenta.
Novas regras já se aplicam a aprovados no CNU de 2024
O novo decreto já se aplica aos servidores aprovados no Concurso Público Nacional Unificado (CPNU) realizado em 2024. Assim, para os mais de seis mil de novos ingressantes, a experiência no setor público começa sob as diretrizes de um modelo mais padronizado, participativo e voltado à formação.
A estabilidade continua sendo uma conquista importante, mas precisa vir acompanhada de responsabilidade e preparo.
Priscila Aquino, coordenadora-geral de Desempenho e Desenvolvimento de Pessoas no MGI
Para Renata Vilhena, essa transformação não impacta apenas os servidores, mas também exige uma mudança de postura dos gestores. “Eles terão que se dedicar mais à formação e ao acompanhamento, e não apenas às avaliações de rotina. Isso tende a amadurecer a cultura institucional com foco em desempenho e resultados”, atesta a conselheira, ao ressaltar que o novo estágio probatório se integra a uma série de ações que buscam modernizar o ciclo de vida funcional do servidor.
A expectativa é que, ao integrar avaliação, desenvolvimento e capacitação, o novo modelo contribua para profissionalizar a administração pública e preparar servidores mais comprometidos com o interesse público. “A estabilidade continua sendo uma conquista importante, mas precisa vir acompanhada de responsabilidade e preparo”, conclui Priscila. “Com esse decreto, damos um passo decisivo para valorizar os novos talentos e transformar o serviço público em uma instituição mais eficiente, ética e orientada ao cidadão”, prevê a coordenadora do MIG.