Resumo:
O texto analisa a trajetória de 55 anos do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC), criado em 1970 para coordenar a gestão de pessoas no Executivo Federal. Mostra como o sistema evoluiu entre fases de centralização, fragmentação e reconstrução, destacando o novo esforço de integração liderado pelo Ministério da Gestão e Inovação. Com iniciativas como o Observatório de Pessoal, o Comitê de Governança da Rede SIPEC e o Modelo Referencial do Ciclo Laboral, o estudo aponta para uma agenda de fortalecimento institucional e consolidação da gestão de pessoas como eixo estratégico da governança pública no Brasil.
Índice:
Trajetória é de avanços técnicos, mas desconectada do planejamento
O Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC), instituído pelo Decreto nº 67.326/1970, é o sistema normativo e institucional responsável por coordenar a gestão de pessoas no Poder Executivo Federal. Seu surgimento esteve vinculado ao processo de modernização administrativa desencadeado pelo Decreto-Lei nº 200/1967, que introduziu a noção de sistemas estruturantes na administração pública brasileira. Ao longo de mais de cinco décadas, o SIPEC oscilou entre um papel meramente técnico-burocrático e tentativas de assumir uma função estratégica dentro do aparato estatal.
Apesar dos avanços, o SIPEC não foi, historicamente, incluído como parte ativa do planejamento governamental (PPA, planos setoriais, orçamentação estratégica). A ausência de dispositivos legais obrigando a articulação entre pessoal e planejamento, somada à fragilidade institucional do órgão central do SIPEC, limitou seu papel estratégico.
Ao se analisar a sua trajetória normativa e institucional desde a origem, é possível identificar cinco momentos históricos relevantes e avaliar seu grau de articulação com o planejamento governamental em cada época. A conclusão a que se chega é a de que, embora o SIPEC tenha evoluído em marcos normativos e instrumentos de gestão, sua conexão com a estratégia de governo e com um projeto de Estado permanece frágil e descontínua. Senão, vejamos.
1. Constituição dos Sistemas Estruturantes (1967–1985)
O período inaugural do SIPEC está vinculado à lógica autoritária do governo militar, com forte centralização normativa e foco em controle administrativo. O Decreto nº 67.326/1970 buscou padronizar práticas de pessoal, subordinadas à noção de eficiência administrativa. A gestão de pessoas era vista como função acessória e técnica, sem vínculos com o planejamento estratégico governamental.
2. Redemocratização e Profissionalização (1986–1998)
Com a redemocratização, a Constituição de 1988 e a Lei nº 8.112/1990 estabeleceram fundamentos do regime jurídico único, com ênfase na estabilidade, no mérito e na valorização do servidor. Houve avanços na institucionalização da política de pessoal, com a criação da Enap e a definição de diretrizes normativas. No entanto, a gestão de pessoas continuava desarticulada dos mecanismos de formulação e execução das políticas de governo.
3. Parametrização Gerencial e Fragmentação de Carreiras (1999–2015)
Inspirado pelo modelo gerencial, o período introduziu ferramentas como o Plano Nacional de Desenvolvimento de Pessoal (Decreto nº 5.707/2006) e previu a avaliação de desempenho (Decreto nº 7.133/2010). Houve ganhos técnicos, mas também intensa fragmentação de carreiras e vínculos, dificultando a governança sistêmica da força de trabalho. O SIPEC operava como executor normativo, ainda distante do centro das decisões estratégicas do Estado.
4. Transformação Digital e Desestruturação (2016–2022)
Avanços tecnológicos marcaram o período, com destaque para o Assentamento Funcional Digital, o Painel Estatístico de Pessoal e o Programa de Gestão e Desempenho. Contudo, a tramitação da PEC 32/2020 revelou ameaças à coesão do modelo ao propor novos vínculos sem considerar a trajetória do SIPEC. Faltaram mecanismos estáveis de governança e integração com o planejamento de longo prazo.
5. Integração Estratégica e Governança Pública (2023–2025)
A partir de 2023, observa-se um esforço de reconstrução institucional. A criação do Observatório de Pessoal, do Comitê de Governança da Rede SIPEC, da Portaria MGI nº 5.127/2024 e do Decreto nº 12.374/2025 sinalizam a tentativa de reposicionar o SIPEC como componente estratégico da administração pública. O Modelo Referencial do Ciclo Laboral emerge como proposta sistêmica para integrar fases da vida funcional do servidor com dados, planejamento e evidências.
O Modelo do Ciclo Laboral, ao organizar a política de pessoas em fases integradas e transversais — como governança pública, negociação administrativa, transformação digital, modernização normativa e fortalecimento das evidências, da transparência ativa e da segurança da informação — representa uma tentativa de superar esse déficit. Sua implementação, no entanto, depende de planejamento eficaz, coordenação intersetorial e reconhecimento político do valor estratégico da gestão de pessoas.
Trajetória é de avanços técnicos, mas desconectada do planejamento
Dito de outro modo, a história do SIPEC revela uma trajetória de avanços técnicos relevantes, mas marcada por instabilidade institucional e baixa conexão com os núcleos de decisão estratégica do governo. Embora a gestão de pessoas seja condição fundamental para a capacidade estatal de entrega, seu tratamento no Executivo Federal oscilou entre a normatização burocrática e tentativas descontínuas de protagonismo institucional.
É neste contexto que o modelo do Ciclo Laboral oferece um caminho promissor, mas exige compromisso político e normativo para consolidar o SIPEC como eixo da boa e moderna governança pública. Uma reforma administrativa que ignore essa trajetória ou fragmente ainda mais a arquitetura existente pode comprometer a coerência das políticas de pessoal e, com isso, a efetividade do próprio Estado brasileiro.