SIPEC e Gestão de Pessoas:  55 anos de reformas administrativas no Brasil

Publicado em: 11 de novembro de 2025

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Trajetória é de avanços técnicos, mas desconectada do planejamento

O Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC), instituído pelo Decreto nº 67.326/1970, é o sistema normativo e institucional responsável por coordenar a gestão de pessoas no Poder Executivo Federal. Seu surgimento esteve vinculado ao processo de modernização administrativa desencadeado pelo Decreto-Lei nº 200/1967, que introduziu a noção de sistemas estruturantes na administração pública brasileira. Ao longo de mais de cinco décadas, o SIPEC oscilou entre um papel meramente técnico-burocrático e tentativas de assumir uma função estratégica dentro do aparato estatal.

Apesar dos avanços, o SIPEC não foi, historicamente, incluído como parte ativa do planejamento governamental (PPA, planos setoriais, orçamentação estratégica). A ausência de dispositivos legais obrigando a articulação entre pessoal e planejamento, somada à fragilidade institucional do órgão central do SIPEC, limitou seu papel estratégico.

Ao se analisar a sua trajetória normativa e institucional desde a origem, é possível identificar cinco momentos históricos relevantes e avaliar seu grau de articulação com o planejamento governamental em cada época. A conclusão a que se chega é a de que, embora o SIPEC tenha evoluído em marcos normativos e instrumentos de gestão, sua conexão com a estratégia de governo e com um projeto de Estado permanece frágil e descontínua. Senão, vejamos.

1. Constituição dos Sistemas Estruturantes (1967–1985)

O período inaugural do SIPEC está vinculado à lógica autoritária do governo militar, com forte centralização normativa e foco em controle administrativo. O Decreto nº 67.326/1970 buscou padronizar práticas de pessoal, subordinadas à noção de eficiência administrativa. A gestão de pessoas era vista como função acessória e técnica, sem vínculos com o planejamento estratégico governamental.

2. Redemocratização e Profissionalização (1986–1998)

Com a redemocratização, a Constituição de 1988 e a Lei nº 8.112/1990 estabeleceram fundamentos do regime jurídico único, com ênfase na estabilidade, no mérito e na valorização do servidor. Houve avanços na institucionalização da política de pessoal, com a criação da Enap e a definição de diretrizes normativas. No entanto, a gestão de pessoas continuava desarticulada dos mecanismos de formulação e execução das políticas de governo.

3. Parametrização Gerencial e Fragmentação de Carreiras (1999–2015)

Inspirado pelo modelo gerencial, o período introduziu ferramentas como o Plano Nacional de Desenvolvimento de Pessoal (Decreto nº 5.707/2006) e previu a avaliação de desempenho (Decreto nº 7.133/2010). Houve ganhos técnicos, mas também intensa fragmentação de carreiras e vínculos, dificultando a governança sistêmica da força de trabalho. O SIPEC operava como executor normativo, ainda distante do centro das decisões estratégicas do Estado.

4. Transformação Digital e Desestruturação (2016–2022)

Avanços tecnológicos marcaram o período, com destaque para o Assentamento Funcional Digital, o Painel Estatístico de Pessoal e o Programa de Gestão e Desempenho. Contudo, a tramitação da PEC 32/2020 revelou ameaças à coesão do modelo ao propor novos vínculos sem considerar a trajetória do SIPEC. Faltaram mecanismos estáveis de governança e integração com o planejamento de longo prazo.

5. Integração Estratégica e Governança Pública (2023–2025)

A partir de 2023, observa-se um esforço de reconstrução institucional. A criação do Observatório de Pessoal, do Comitê de Governança da Rede SIPEC, da Portaria MGI nº 5.127/2024 e do Decreto nº 12.374/2025 sinalizam a tentativa de reposicionar o SIPEC como componente estratégico da administração pública. O Modelo Referencial do Ciclo Laboral emerge como proposta sistêmica para integrar fases da vida funcional do servidor com dados, planejamento e evidências.

O Modelo do Ciclo Laboral, ao organizar a política de pessoas em fases integradas e transversais — como governança pública, negociação administrativa, transformação digital, modernização normativa e fortalecimento das evidências, da transparência ativa e da segurança da informação — representa uma tentativa de superar esse déficit. Sua implementação, no entanto, depende de planejamento eficaz, coordenação intersetorial e reconhecimento político do valor estratégico da gestão de pessoas.

Trajetória é de avanços técnicos, mas desconectada do planejamento

Dito de outro modo, a história do SIPEC revela uma trajetória de avanços técnicos relevantes, mas marcada por instabilidade institucional e baixa conexão com os núcleos de decisão estratégica do governo. Embora a gestão de pessoas seja condição fundamental para a capacidade estatal de entrega, seu tratamento no Executivo Federal oscilou entre a normatização burocrática e tentativas descontínuas de protagonismo institucional.

É neste contexto que o modelo do Ciclo Laboral oferece um caminho promissor, mas exige compromisso político e normativo para consolidar o SIPEC como eixo da boa e moderna governança pública. Uma reforma administrativa que ignore essa trajetória ou fragmente ainda mais a arquitetura existente pode comprometer a coerência das políticas de pessoal e, com isso, a efetividade do próprio Estado brasileiro.

José Celso Cardoso Jr: técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), atualmente é presidente da Associação dos Funcionários do Ipea e Sindicato Nacional dos Servidores do Ipea (Afipea-Sindical).

Talitha Pedrosa: é servidora federal idealizadora e líder do Núcleo de Governança da Rede de Gestão de Pessoas do Sipec (ConectaGente), promove a colaboração e integração entre profissionais do setor público, potencializando a atuação da gestão de pessoas no governo federal. Mestranda em Governança e Desenvolvimento pela Escola Nacional da Administração Pública (ENAP), é formada em Marketing.

A nota é de responsabilidade dos autores e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais eles estão vinculados.

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