Normas sobre planejamento estratégico, acordo de resultados e bônus de desempenho – Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e Lei de Responsabilidade por Resultados (PLP)
A República.org analisa as propostas da Reforma Administrativa sobre planejamento estratégico, acordos de resultados e bônus por desempenho. A nota reconhece avanços, como a obrigatoriedade de planos estratégicos e a integração com o ciclo orçamentário, mas alerta para os riscos de ampliar o pagamento de bônus, inclusive para carreiras já bem remuneradas. Também defende que a gestão do desempenho deve priorizar planejamento, monitoramento e avaliação de resultados, com incentivos ligados à progressão e promoção dos servidores e a formas não financeiras de reconhecimento.
Alinhamento geral
Alinhado parcialmente: há concordância geral com a proposta, ainda que sejam necessários alguns ajustes em seu conteúdo.
Síntese das recomendações
- Retirar a possibilidade de bônus de desempenho, ainda que condicionada ao acordo de resultados e ao limite de despesa de pessoal.
Análise por princípios
Princípio 1: Contribuição para o fortalecimento da capacidade estatal e da geração de entregas para os cidadãos.
Pontos de concordância:
No âmbito do fortalecimento da capacidade estatal, as propostas avançam ao estabelecer prazo para que o chefe do Executivo de todos os entes elabore um planejamento estratégico. Esse planejamento deve definir prioridades, objetivos, indicadores e metas institucionais para os quatro anos de mandato, servindo de base para a formulação do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e dos orçamentos anuais.
As propostas também estabelecem diretrizes para a celebração de acordos de resultados entre dirigentes de órgãos ou entidades e a autoridade pública superior ou supervisora. Esses acordos devem derivar do planejamento estratégico e especificar objetivos, indicadores e metas, além de detalhar ações, responsabilidades e obrigações dos signatários. Devem ainda prever mecanismos de monitoramento e avaliação das metas, faixas de desempenho e instrumentos de premiação quando os resultados institucionais forem satisfatórios. A celebração dos acordos dependerá de parecer favorável do órgão responsável pelo planejamento estratégico, que verificará a compatibilidade das metas com o planejamento e com as leis orçamentárias.
A avaliação dos acordos de resultados considerará, além dos indicadores pactuados, a percepção de usuários e partes interessadas sobre os serviços prestados, aferida por meio de pesquisas de satisfação, ouvidorias e outros canais de participação social, preferencialmente digitais. O texto também prevê o acompanhamento do planejamento estratégico e dos acordos de resultados por meio de relatórios semestrais e trimestrais, respectivamente.
O Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público 2025 traz dados inéditos sobre a situação dos estados e capitais em de gestão do desempenho. Com base em normativos públicos e informações obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o levantamento mostra que a gestão do desempenho nos entes subnacionais ainda é bastante incipiente.
Especialmente no que se refere ao planejamento, apenas dois estados — Ceará e Goiás (7%) — possuem planejamento estratégico publicado para as quatro secretarias analisadas (planejamento, educação, saúde e segurança). No Distrito Federal, o Planejamento Estratégico Institucional (PEI) está disponível para todos os órgãos, incluindo os quatro avaliados, com objetivos e indicadores definidos. No entanto, as metas não estão claramente apresentadas, o que impediu sua inclusão neste levantamento. Em contrapartida, três estados — Bahia, Mato Grosso e Roraima (11%) — não possuem planejamento estratégico específico em nenhuma das secretarias, seja publicado, interno ou em elaboração. Quanto à divulgação dos resultados decorrentes do planejamento estratégico, dentre os 27 entes analisados, apenas um dos 43 órgãos-estados — Goiás (2,3%) — que possuem planejamento estratégico adequado divulgou resultados institucionais.
Nas capitais, o cenário é ainda mais limitado: 19 municípios (73%) — entre eles Aracaju, Belém, Boa Vista, Campo Grande, Cuiabá, Goiânia, João Pessoa, Macapá, Maceió, Natal, Palmas, Porto Alegre, Porto Velho, Rio Branco, Rio de Janeiro, Salvador, São Luís, Teresina e Vitória — não apresentaram qualquer planejamento estratégico publicado em nenhuma das secretarias avaliadas. As demais capitais possuem planejamentos em diferentes estágios de desenvolvimento: alguns setores não dispõem de documento próprio, outros estão em fase de elaboração ou mantêm instrumentos de uso restrito à administração, sem divulgação pública. Entre as 26 analisadas, nenhuma apresentou informações vinculadas ao monitoramento e à avaliação de seus planejamentos.
De forma geral, os resultados evidenciam que tanto a prática de elaboração de planejamentos estratégicos quanto os normativos que regulamentam a gestão do desempenho ainda se encontram em estágio incipiente no Brasil, carecendo de institucionalização consistente nos estados e capitais. Nesse contexto, as propostas analisadas reforçam a importância de formalizar diretrizes que tornem obrigatória a construção de planejamentos estratégicos em todos os órgãos públicos. Esses instrumentos são fundamentais para o fortalecimento da capacidade estatal, uma vez que, sem planejamentos estratégicos bem estruturados, não é possível implementar uma gestão do desempenho efetiva. Além disso, a previsão de monitoramento e avaliação dos acordos de resultados tende a incentivar que os órgãos não percam de vista as ações estratégicas, com potencial de transformar a vida da população, em detrimento do que é emergencial (“apagar incêndios”).
Ponto de atenção:
Como principal ponto de atenção, a República.org manifesta preocupação com a proposta de constitucionalização de bônus de desempenho, ainda que sua aplicação seja facultativa e condicionada a critérios de responsabilidade fiscal.
Como demonstra o Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público 2025, a literatura acadêmica sobre o tema indica que a remuneração variável por desempenho tende a funcionar melhor em cargos que envolvem tarefas repetitivas e de fácil mensuração, tipicamente as desempenhadas por servidores de nível operacional. Para os demais cargos da administração pública, especialmente os de médio e alto escalão, as evidências — sobretudo as de natureza causal — são mais escassas, dada a dificuldade de mensurar o desempenho de forma objetiva e padronizada. Não há, portanto, comprovação de que o bônus de desempenho seja uma condição necessária ou suficiente para promover, de maneira ampla e sustentável, a melhoria do desempenho no setor público.
A iniciativa de instituir uma Lei de Responsabilidade por Resultados é positiva e oportuna. No entanto, ela deve priorizar mecanismos de incentivo ao desempenho menos onerosos ao Estado. Em contextos de restrição fiscal, os bônus tendem a ser suspensos, o que pode gerar desmotivação entre os servidores. Além disso, o bônus financeiro, para ser efetivo, depende de uma gestão do desempenho madura e bem estruturada — e representa um instrumento de difícil sustentabilidade fiscal no médio e longo prazos.
Assim, constitucionalizar pagamentos variáveis vinculados a resultados, ainda que de forma facultativa, configura uma medida potencialmente arriscada. Isso porque o pagamento dos bônus ocorreria fora do teto remuneratório constitucional, o que é particularmente preocupante no âmbito do poder Judiciário e do Ministério Público. É legítimo revisar a estrutura dessas carreiras para incorporar bons incentivos, mas a expansão de exceções ao teto — fenômeno associado aos chamados supersalários — representa um movimento claramente anti-republicano. Instituir bônus nessas condições, sem que haja maturidade suficiente em gestão do desempenho, é uma estratégia arriscada, pois pode resultar na simples incorporação desses valores aos já numerosos penduricalhos, ampliando privilégios, supersalários e custos ao erário — um risco que o país não pode correr.
Diante das evidências apresentadas pela literatura (que podem ser consultadas no Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público 2025) e do contexto da administração pública brasileira, recomenda-se a exclusão, tanto da PEC quanto do PLP, da possibilidade de pagamento de bônus de desempenho, ainda que condicionado a acordos de resultados e a limites de despesa com pessoal. A República.org defende que o foco da reforma deve estar em fortalecer a gestão do desempenho por meio de planejamento consistente, monitoramento e avaliação de resultados, além de incentivos vinculados à progressão e promoção dos servidores e do uso de incentivos não pecuniários (ver também nota técnica sobre gestão do desempenho).
Princípio 2: Simplificação, racionalização e otimização da gestão do Estado.
Pontos de concordância:
A proposta avança no princípio de racionalização e otimização do Estado ao estabelecer como diretriz que os planejamentos estratégicos orientem a construção dos planos plurianuais (PPAs), das diretrizes orçamentárias e dos orçamentos anuais, buscando integrar de forma estratégica os instrumentos formais de planejamento e orçamento.
Princípio 3: Redução de desigualdades dentro do funcionalismo público.
Pontos de atenção:
Permanecem os mesmos pontos de atenção em relação à generalização do bônus de desempenho, que, diante do contexto brasileiro de baixa maturidade nesse processo e da expansão dos supersalários, pode ampliar desigualdades remuneratórias no funcionalismo.
Princípio 4: Valorização do servidor e do serviço público.
Pontos de concordância:
Como a proposta busca institucionalizar a elaboração de planejamentos estratégicos por todos os órgãos públicos — etapa essencial para a implementação de uma gestão do desempenho efetiva —, a reforma representa um avanço importante para a valorização do servidor e do serviço público.
Pontos de atenção:
Permanecem, contudo, os mesmos pontos de atenção em relação à generalização do bônus de desempenho, que, diante do contexto brasileiro de baixa maturidade nesse processo e da expansão dos supersalários, pode ampliar desigualdades remuneratórias no funcionalismo e, consequentemente, impactar negativamente a valorização dos servidores.
Princípio 5: Transparência e responsabilidade no serviço público.
Pontos de concordância:
As propostas estabelecem que o planejamento estratégico de resultados deverá ser encaminhado ao poder Legislativo e divulgado no portal da transparência do ente federativo em até 180 dias após a posse do chefe do Executivo. Além disso, determinam que o chefe do poder Executivo publique, também no portal da transparência, relatórios semestrais sobre a execução dos projetos, programas e ações estratégicas previstos neste planejamento. Em caso de descumprimento dos objetivos ou metas estabelecidos, o chefe do Executivo deverá enviar ao poder Legislativo e tornar pública, no portal da transparência, mensagem contendo as devidas justificativas. Tais dispositivos são fundamentais para ampliar a transparência sobre o tema, ainda bastante precária, conforme demonstram os dados do Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público 2025 destacados acima.
Viabilidade técnica
Persistem os mesmos desafios de viabilidade técnica, especialmente nos municípios, já apontados em notas técnicas anteriores. Mesmo que a reforma prometa economia no longo prazo, sua implementação pode demandar investimentos significativos em capacitação, consultorias, sistemas e comunicação — custos que municípios com baixo espaço fiscal podem não conseguir suportar. Uma possível solução seria a formação de consórcios entre municípios menores para viabilizar a implementação das mudanças ou a criação de um fundo nacional de melhoria da gestão pública com incentivos financeiros vinculados à melhoria de indicadores de capacidade estatal, hipóteses que merecem ser mais bem exploradas. Independentemente do formato adotado, é inegável que estados e municípios precisarão de apoio para implementar as medidas propostas nesta reforma. A simples inclusão de obrigatoriedades em leis ou na Constituição não garante, por si só, que essas medidas serão efetivamente aplicadas.
1 Detalhes sobre a metodologia utilizada devem ser consultados diretamente no Anuário.