Normas sobre planejamento de concursos públicos e estágio probatório – Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e Marco Legal da Administração Pública (PL)
A proposta de Reforma Administrativa em debate no Congresso Nacional avança ao tratar do planejamento de concursos públicos e do estágio probatório, temas centrais para modernizar a gestão de pessoas no setor público. A República.org analisa como a PEC e o Marco Legal da Administração Pública podem fortalecer a capacidade estatal, tornar o ingresso mais estratégico e o desenvolvimento de servidores mais efetivo. Também apresenta recomendações para aperfeiçoar conceitos, redações e práticas previstas nos textos.
Alinhamento geral
Alinhado parcialmente: há concordância geral com a proposta, ainda que sejam necessários alguns ajustes em sua forma e conteúdo.
Síntese das recomendações
- Incluir o conceito de planejamento da força de trabalho, e tornar obrigatório o dimensionamento da força de trabalho no estudo técnico preliminar.
- Explicitar que a avaliação do estágio probatório deve contemplar competências e metas individuais, alinhadas ao planejamento do órgão, tal como previsto para a avaliação de desempenho de servidores efetivos, substituindo a previsão de critérios de produtividade e qualidade das entregas, responsabilidade, iniciativa e capacidade de resolução de problemas.
- Especificar a periodicidade das avaliações de desempenho durante o estágio probatório, recomendando avaliações semestrais.
- Prever diretrizes gerais para redução de vieses de gênero e raça na avaliação de competências, como treinamentos e monitoramento dos resultados da avaliação, tal como sugerido na nota técnica de gestão do desempenho.
- Substituir critérios ultrapassados (assiduidade, pontualidade e disciplina) por competências transversais já mapeadas por órgãos públicos como a Enap.
- Retirar a obrigatoriedade de que programas de formação inicial dos servidores sejam ofertados por escolas de governo. Sugere-se que isto seja uma recomendação, não obrigação.
- Retirar a obrigatoriedade de que haja suspensão da contagem de tempo do estágio probatório em casos de exercício de cargo em comissão ou função de confiança.
- Tornar mais claras e coerentes as diretrizes de desenvolvimento de servidores em estágio probatório, que parecem sobrepostas.
- Incluir a diretriz de que programas de formação inicial devem evitar a repetição de conteúdos já avaliados no concurso público.
- Incluir a diretriz de realização de alocação funcional estratégica dos ingressantes, considerando competências e perfis alinhados às demandas do órgão.
- Alterar a proposta de adesão de estados e municípios ao CPNU, publicizando previamente os cargos previstos em cada edição antes da adesão dos entes subnacionais, estabelecendo que a adesão dos entes dependa de planejamento da força de trabalho que justifique tecnicamente a necessidade do cargo e o quantitativo solicitado e permitindo adesão apenas a cargos equivalentes ou similares aos do governo federal.
- Incluir a previsão de divulgação das inscrições e resultados de cada etapa dos concursos em portal único do governo, com informações detalhadas sobre perfil dos inscritos (gênero, raça, idade, formação, etc.) e indicadores de gestão do processo (como taxas de abandono).
Análise por princípios
Princípio 1: Contribuição para o fortalecimento da capacidade estatal e da geração de entregas para os cidadãos.
Pontos de concordância:
No âmbito do fortalecimento da capacidade estatal, a proposta avança ao estabelecer diretrizes gerais para o planejamento de concursos públicos e o estágio probatório. No primeiro caso, a PEC determina que o concurso público seja precedido do dimensionamento do quadro de pessoal, priorize carreiras transversais e esteja acompanhado de justificativas que demonstrem a necessidade das contratações para o alcance dos objetivos e metas do órgão ou entidade pública, conforme definidos no planejamento estratégico e no acordo de resultados.
No Marco Legal da Administração Pública, a proposta reforça que os concursos públicos devem estar alinhados aos instrumentos de planejamento do órgão ou entidade, incluindo o dimensionamento da força de trabalho, e observar os seguintes objetivos: (i) assegurar tratamento isonômico aos candidatos, respeitadas as cotas legais; (ii) selecionar profissionais com as competências necessárias ao atendimento das demandas institucionais; e (iii) contribuir para o fortalecimento da capacidade institucional, com maior geração de valor público e aumento da satisfação dos cidadãos com os serviços prestados. Entre as diretrizes para o alcance desses objetivos, destaca-se a integração dos concursos públicos à gestão estratégica de pessoas, de modo a alinhá-los aos instrumentos de planejamento e às ações voltadas ao desenvolvimento de competências individuais e organizacionais necessárias à execução da estratégia institucional.
Essas diretrizes estão alinhadas às boas práticas internacionais de integração entre o planejamento da força de trabalho e a política de concursos públicos (DRUMOND, 2024). Ainda assim, seriam recomendáveis ajustes de redação para conferir maior coerência e precisão conceitual — especialmente quanto ao uso de “dimensionamento do quadro de pessoal” e “dimensionamento da força de trabalho” como termos intercambiáveis, e à distinção entre ambos e o conceito de “planejamento da força de trabalho”. Também seria oportuno aprimorar a redação referente à integração entre os concursos públicos e as demais políticas de gestão estratégica de pessoas (artigo 4º do PL), que atualmente confunde a política de seleção com a de desenvolvimento de servidores efetivos.
No que se refere ao estágio probatório, a PEC estabelece que durante este período, o desempenho do servidor será avaliado de forma objetiva, com base em critérios, indicadores e metas previamente estabelecidos e amplamente divulgados, sendo obrigatória sua participação, com aproveitamento satisfatório, em programas, projetos ou ações de capacitação destinados ao desenvolvimento de conhecimentos e habilidades necessárias ao exercício das atribuições do cargo.
A medida contribui para o fortalecimento da capacidade estatal ao buscar transformar o estágio probatório em um período efetivo de monitoramento do desempenho, garantindo o apoio necessário ao desenvolvimento de competências essenciais ao cargo e permitindo verificar, ao final do período, a adequação do servidor para adquirir a estabilidade. Recomenda-se, contudo, um ajuste de redação para assegurar maior coerência com as propostas do capítulo sobre gestão do desempenho da Lei de Responsabilidade por Resultados (ver nota técnica específica sobre gestão do desempenho). Seria oportuno explicitar que a avaliação do servidor em estágio probatório deve contemplar avaliação de competências e de metas individuais, esta última alinhada aos instrumentos de planejamento do órgão. A única distinção em relação à avaliação de desempenho dos servidores efetivos é que, no estágio probatório, a participação em programas de desenvolvimento deve constituir critério obrigatório.
No Marco Legal da Administração Pública, destacam-se duas propostas positivas. A primeira prevê que, constatado desempenho insatisfatório em avaliação parcial, deverá ser elaborado um Plano de Recuperação de Desempenho (PRD), de caráter obrigatório, contendo metas objetivas, indicadores verificáveis e prazos definidos, a serem acompanhados pela chefia imediata, com ciência da unidade de gestão de pessoas. A segunda dispõe que a chefia imediata deverá orientar e acompanhar regularmente o servidor; monitorar e avaliar seu desempenho de acordo com critérios específicos; informar, de forma contínua e estruturada, sobre seu desempenho; indicar formalmente necessidades de desenvolvimento; determinar a participação em ações de capacitação, inclusive as decorrentes de um Plano de Melhoria de Desempenho (PMD); alinhar as entregas e resultados do servidor às metas institucionais; e registrar, em local próprio, circunstâncias institucionais ou pessoais que possam influenciar o desempenho funcional.
Apesar da necessidade de ajustes de redação — sobretudo para padronizar o uso dos termos “Plano de Recuperação de Desempenho” e “Plano de Melhoria de Desempenho” —, as propostas caminham na direção correta ao especificar as responsabilidades das chefias imediatas no acompanhamento dos servidores em estágio probatório e ao vincular, de forma obrigatória, a avaliação de desempenho à gestão do desenvolvimento. Essa integração é coerente com as diretrizes apresentadas na nota técnica específica sobre a gestão do desempenho de servidores efetivos.
Ponto de atenção:
Cabe destacar alguns pontos de aprimoramento necessários para que a proposta fique mais robusta e alinhada ao princípio de fortalecimento da capacidade estatal. Em primeiro lugar, é primordial que se especifique a periodicidade das avaliações de desempenho. No artigo 23º, § 4o, se usa o termo “avaliação parcial” sem a devida especificação do seu significado. No Panorama de Gestão de Pessoas, a República.org recomenda que as avaliações durante o estágio probatório sejam semestrais, permitindo um acompanhamento mais próximo e periódico do servidor.
Este mesmo artigo estabelece que a avaliação de desempenho deve observar, obrigatoriamente, os seguintes critérios: assiduidade e pontualidade; disciplina; relacionamento interpessoal; produtividade e qualidade das entregas; responsabilidade, iniciativa e capacidade de resolução de problemas relacionados ao exercício das atribuições e participação e aprovação satisfatória em ações de capacitação voltadas ao desenvolvimento de competências necessárias ao exercício do cargo. Tais critérios são muito semelhantes aos previstos na Lei nº 8.112/1990 (Estatuto dos servidores federais).
Na avaliação da República.org, os critérios de assiduidade, pontualidade e disciplina são considerados ultrapassados. Recomenda-se, nesse sentido, a sua substituição por competências transversais (como, por exemplo, as definidas pela Enap) e, no caso dos critérios de produtividade e qualidade das entregas e responsabilidade, iniciativa e capacidade de resolução de problemas relacionados ao exercício das atribuições, a sua substituição por metas individuais vinculadas ao planejamento estratégico do órgão, tal como é previsto na avaliação de desempenho de servidores efetivos. Neste último caso, a proposta traria maior objetividade à avaliação do servidor, ao incluir um componente de avaliação das entregas pactuadas e não apenas de percepção da chefia e pares.
Outro ponto de atenção refere-se ao artigo que determina que as ações de capacitação dos servidores públicos sejam oferecidas por escolas de governo mantidas pelo poder público e abranjam, no mínimo, cinco eixos: (i) organização e funcionamento da administração pública, com foco em governança, planejamento e avaliação de desempenho; (ii) políticas públicas, contemplando o ciclo de formulação, implementação, monitoramento e avaliação, conforme a área de atuação do servidor; (iii) conhecimentos específicos do cargo, voltados à aplicação prática e à melhoria das entregas; (iv) competências digitais e transformação digital, com ênfase em governo digital, inteligência artificial e simplificação de processos; e (v) integridade e ética no serviço público, com foco na prevenção de conflitos de interesse, na cultura de integridade e na gestão de riscos. Embora a definição de um conteúdo programático mínimo para os programas obrigatórios de capacitação seja positiva, merece atenção a exigência de que esses programas sejam ministrados exclusivamente por escolas de governo. Além dos desafios de viabilidade que essa determinação pode gerar, é importante ressaltar que o aspecto essencial deve ser a qualidade e pertinência do conteúdo oferecido, e não necessariamente a natureza da instituição responsável por sua execução. Neste sentido, sugere-se que isto seja uma recomendação, não obrigação.
Ainda no artigo 23º, a proposta estabelece que a avaliação de desempenho será expressa em pontuação definida pela legislação de cada ente federativo, observando as seguintes diretrizes: (i) composição da pontuação a partir de múltiplas fontes de avaliação, sendo vedada a atribuição integral exclusivamente pela chefia imediata; (ii) fundamentação obrigatória em fatores objetivos, relacionando observações concretas de desempenho às competências exigidas para o exercício das atribuições do cargo; e (iii) garantia ao servidor em estágio probatório do exercício do contraditório e da ampla defesa, com possibilidade de recurso, conforme a legislação aplicável.
Nesse contexto, destacam-se dois pontos de atenção. O primeiro refere-se à incoerência entre as propostas de avaliação de desempenho dos servidores efetivos e daqueles em estágio probatório, especialmente quanto à obrigatoriedade de diversificação das fontes de avaliação, não prevista para os primeiros. O segundo diz respeito à necessidade de aprimorar a redação da segunda diretriz, que se mostra vaga e pouco coerente com os critérios previstos tanto para a avaliação de desempenho no estágio probatório quanto para servidores efetivos — reforçando a importância de incluir metas individuais vinculadas ao planejamento do órgão.
Por fim, destaca-se, como oportunidade de aprimoramento, a necessidade de tornar mais claras e coerentes as diretrizes voltadas ao desenvolvimento de servidores em estágio probatório. O artigo 24º estabelece que a unidade de gestão de pessoas deve implementar, no início desse período, programas de acolhimento e integração, avaliar a experiência prévia, a formação acadêmica e as competências já adquiridas, identificar necessidades de desenvolvimento e promover o aperfeiçoamento das competências necessárias ao desempenho das atribuições e ao alcance dos resultados institucionais.
A implementação de programas de acolhimento e integração é medida fundamental para assegurar um ingresso acolhedor e eficaz, facilitando a adaptação dos novos servidores e reduzindo riscos de evasão. Contudo, observa-se certa sobreposição de redações e falta de clareza quanto à sequência das ações de desenvolvimento e às responsabilidades envolvidas durante o estágio probatório. Recomenda-se, portanto, que os servidores recém-ingressos participem, no início do estágio, de programas de formação obrigatórios, estruturados a partir dos eixos previstos. Como ajuste de redação, sugere-se incluir a diretriz de que o curso de formação inicial evite a repetição de conteúdos já avaliados no processo seletivo, de modo a garantir o uso produtivo do tempo e a manutenção da motivação dos ingressantes (COELHO e MENON, 2018).
Após a primeira avaliação de desempenho, a unidade de gestão de pessoas poderá estruturar novas ações de desenvolvimento com base nos resultados observados, especialmente em casos de desempenho insatisfatório, conforme previsto no Plano de Recuperação/Plano de Melhoria de Desempenho. Nesse sentido, não é necessário que a unidade de gestão de pessoas avalie a experiência prévia, formação acadêmica e competências já adquiridas pelo servidor para fins de desenvolvimento; no âmbito da política de concursos e estágio probatório, tal mapeamento deve ser realizado na alocação estratégica do servidor no órgão de lotação — diretriz que, inclusive, está ausente na proposta atual.
Recomenda-se, portanto, a inclusão de uma diretriz para a alocação funcional estratégica dos novos servidores, considerando as demandas dos órgãos e o perfil dos ingressantes. Essa etapa depende de um mapeamento prévio das competências e conhecimentos dos aprovados e de seu alinhamento com os perfis demandados por cada equipe ou unidade (COELHO e MENON, 2018). Com isso, busca-se assegurar que as pessoas certas sejam alocadas nas funções mais adequadas, fortalecendo o engajamento e reduzindo riscos de desmotivação ou evasão antes mesmo da conclusão do estágio probatório.
Princípio 2: Simplificação, racionalização e otimização da gestão do Estado.
Pontos de concordância:
No que se refere à maior racionalização e otimização da gestão, a proposta avança ao estabelecer que, no planejamento de concursos públicos, devem ser observados o equilíbrio das contas públicas, em especial os limites de despesas de pessoal previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal. Prevê-se, ainda, a preferência pela realização periódica de concursos e por nomeações ou contratações contínuas e graduais de servidores, de modo a manter o quadro de pessoal em condições quantitativas e qualitativas que garantam a regularidade, continuidade, eficiência, segurança e atualização das atividades do órgão ou entidade pública.
A proposta também estabelece que a fase preparatória do concurso deve atender a exigências específicas, incluindo a elaboração de estudo técnico preliminar com a participação da área de gestão de pessoas e das áreas finalísticas do órgão ou entidade. Este estudo deve contemplar a evolução do quadro de pessoal nos últimos dez anos, a projeção de diminuição de servidores ou empregados públicos no mesmo período, considerando vacâncias e extinções de contratos, e a análise de soluções para otimização da estrutura organizacional, racionalização de rotinas administrativas e aumento da eficiência do quadro atual, incluindo alternativas ao concurso, como realocação da força de trabalho, incorporação de tecnologia ou execução indireta (já previsto no governo federal pelo Decreto nº 9.507/2018). Caso essas medidas sejam insuficientes, deve-se comprovar a necessidade de concurso para atender às demandas do órgão ou entidade, conforme diagnóstico do quadro de pessoal.
Além do estudo técnico preliminar, a proposta prevê: a demonstração de que o concurso está alinhado ao planejamento estratégico e à gestão de pessoas; a aprovação pelo órgão central de planejamento quanto à compatibilidade orçamentária; a contratação da organização responsável pela execução da fase competitiva, se aplicável; a elaboração do edital com base no estudo técnico; e, por fim, a aprovação do edital pelo órgão central de planejamento e pelo órgão fazendário do ente federativo. Também é positiva a medida que prevê que, sempre que possível, os entes federativos centralizarão a responsabilidade pela realização de concurso público no seu respectivo órgão central de planejamento, também incluindo, nas comissões organizadoras de cada concurso público, representantes do órgão ou entidade pública a serem beneficiados pela reposição do seu quadro de pessoal.
A maior participação do órgão central de planejamento (preferencialmente com a participação da área central de gestão de pessoas) na elaboração e aprovação do edital é fundamental como garantia de que as instituições contratadas para realização dos certames não sejam as únicas responsáveis pela governança e condução do processo. Estudos evidenciam que o que se observa como diagnóstico atual da política de concursos públicos é a “secundarização da inteligência de gestão de recursos humanos nos governos” (COELHO e MENON, 2018, p. 165), que ocorre quando os editais são publicados sem a participação ou aprovação final do órgão central de gestão de pessoas, causando uma “conversão dos editais em um instrumento jurídico por excelência, pouco refletindo sobre as funções e as atribuições do cargo” (COELHO e MENON, 2018, p. 166) que foram estabelecidas, teoricamente, em etapa anterior. Isto é, o concurso deixa de ser um instrumento cuja finalidade é selecionar a pessoa mais competente para o cargo/carreira e passa a ter como indicador de sucesso a ausência de judicialização (COELHO e MENON, 2018, p. 166). Para retomar a finalidade estratégica dos certames, é fundamental que a comissão/comitê de seleção realize ou aprove os editais dos concursos, justamente para garantir alinhamento com as atribuições ou competências do cargo/carreira e mitigar risco de judicialização.
Pontos de atenção:
Embora as propostas apresentadas caminhem na direção correta ao buscar maior racionalização e eficiência na política de seleção de servidores, superando a prática atual em que os órgãos solicitam vagas com base apenas no número de cargos vagos, sem dimensionamento da força de trabalho ou integração com o planejamento estratégico institucional, ainda há necessidade de ajustes de redação para conferir maior clareza e coerência aos conceitos e etapas previstas. Por exemplo, recomenda-se explicitar o conceito de planejamento da força de trabalho quando se tratar da elaboração do estudo técnico preliminar, bem como mencionar de forma expressa o dimensionamento da força de trabalho como componente desse estudo, em conformidade com a redação da PEC, que prevê que “o concurso público seja precedido do dimensionamento do quadro de pessoal”.
Além disso, merece destaque a proposta que permite a adesão de estados e municípios ao Concurso Público Nacional Unificado (CPNU). De acordo com o texto, ao iniciar a fase preparatória do CPNU, a União deverá promover um procedimento público para que os entes subnacionais manifestem interesse em participar do certame. Os entes que aderirem participarão das etapas de planejamento e preparação, devendo indicar o número de vagas e cadastros reserva, os cargos a serem providos — com suas atribuições e remunerações —, bem como os conhecimentos e habilidades requeridos, assegurando compatibilidade com os demais cargos do concurso. Caberá à União definir os blocos de conhecimentos e habilidades a serem avaliados, podendo incluir conteúdos específicos para atender às necessidades dos entes aderentes.
A proposta seria mais factível se adotasse lógica semelhante à do Sistema de Registro de Preços, previsto na Lei de Licitações. Dessa forma, estados e municípios poderiam se inscrever para participar do CPNU apenas quando comprovado tecnicamente a necessidade de provimento de cargos equivalentes ou similares aos ofertados em cada edição do concurso unificado. Tal medida traria maior eficiência, especialmente para entes com menor capacidade administrativa para realizar concursos de forma periódica. Contudo, a redação atual sugere o processo inverso: a União receberia todos os pedidos de inclusão de cargos — independentemente de alinhamento prévio com suas próprias demandas —, ficando responsável por analisar e identificar possíveis convergências. Esse arranjo tende a onerar excessivamente a União e carece de diretrizes mais claras sobre a governança da implementação.
Diante disso, recomenda-se ajustar a proposta conforme o exposto, de modo que a União publique previamente os cargos previstos em cada edição do CPNU e, somente após essa divulgação, realize o processo de adesão dos entes subnacionais. Sugere-se, ainda, que um dos critérios de elegibilidade para adesão seja a comprovação de planejamento da força de trabalho, com justificativa técnica quanto à necessidade do cargo e ao quantitativo solicitado.
Por fim, destaca-se, como ponto de atenção, a previsão de que o exercício de cargo em comissão ou função de confiança, ainda que no mesmo órgão ou entidade, suspenda a contagem do estágio probatório, retomando-a somente com o retorno do servidor ao cargo de provimento original. A República.org entende que tal medida é desnecessária, uma vez que sejam realizadas avaliações de desempenho periódicas, conforme já recomendado anteriormente. Em outras palavras, a proposta carece de explicitação do racional que justificaria essa suspensão.
Princípio 3: Redução de desigualdades dentro do funcionalismo público.
Pontos de atenção:
No âmbito da política de desempenho do estágio probatório e seguindo a mesma recomendação exposta na nota técnica específica sobre gestão do desempenho, o texto poderia incorporar uma perspectiva de gênero e raça, estabelecendo como diretriz geral o acompanhamento da política de desempenho para prevenir interferências de vieses, identificar disparidades sistemáticas e propor medidas corretivas quando necessário. Evidências acadêmicas demonstram que vieses cognitivos, de gênero e de raça influenciam as avaliações de competências, tanto no setor privado como no público (CORRELL et al., 2020 ; EBERHARDT et al., 2023; RIVERA e TILCSIK, 2019; BURD et al., 2021).
Por exemplo, o texto poderia prever que todos os profissionais envolvidos na avaliação de competências recebam treinamentos sobre vieses de gênero e raça, com obrigatoriedade mínima para lideranças. Embora essa medida não elimine totalmente a possibilidade de discriminação, representa um passo inicial importante. Capacitar e conscientizar avaliadores é fundamental para assegurar a eficácia e a equidade do sistema de avaliação de desempenho, tornando o processo mais transparente e imparcial e contribuindo para a melhoria contínua do desempenho organizacional (LOPES, 2023).
Outra diretriz relevante seria instituir o monitoramento sistemático dos resultados das avaliações por gênero e raça pelos órgãos setoriais de gestão de pessoas. Dessa forma, discrepâncias identificadas entre homens e mulheres, ou entre pessoas brancas e não brancas, poderiam orientar estratégias específicas de redução de vieses, promovendo um ambiente organizacional mais justo e inclusivo.
Princípio 4: Valorização do servidor e do serviço público.
Pontos de concordância:
De modo geral, as propostas apresentadas — integrar o planejamento da força de trabalho aos concursos públicos e aprimorar a política de estágio probatório — avançam na direção correta ao contribuir para a valorização tanto dos servidores quanto do serviço público. A racionalização do planejamento dos concursos pode evitar déficits ou excedentes significativos de pessoal efetivo, enquanto uma política de estágio probatório bem estruturada favorece o acolhimento, a formação e o acompanhamento próximo dos novos servidores, fortalecendo seu engajamento e satisfação.
Princípio 5: Transparência e responsabilidade no serviço público.
Pontos de concordância:
No âmbito do princípio de transparência, a proposta prevê que cada ente disponibilizará, em transparência ativa, portal que contenha todas as informações relevantes a respeito dos concursos públicos realizados no âmbito do ente, tais como a lista dos concursos em execução, os cadastros de reserva e as nomeações realizadas.
Pontos de atenção:
Para fins de aprimoramento da proposta, recomenda-se que as inscrições e os resultados de cada etapa dos concursos sejam divulgados em um portal único do governo, incluindo informações detalhadas sobre o perfil dos inscritos (gênero, raça, idade, formação, entre outros) para cada edital, cargo ou carreira. Essa medida permitiria o monitoramento interno da quantidade de inscritos, da competitividade, do perfil demográfico e educacional, bem como de indicadores de gestão do processo, como taxas de abandono por etapa (REPÚBLICA.ORG, 2025).
Viabilidade técnica
De modo geral, a viabilidade técnica das propostas é maior no âmbito do governo federal, especialmente no que se refere ao planejamento da força de trabalho e à sua integração com a política de concursos. O relatório do Panorama de Gestão de Pessoas evidencia que, nos últimos anos, o governo federal avançou significativamente no dimensionamento da força de trabalho. Ainda assim, persistem desafios para a realização periódica deste processo pelos órgãos, em parte pela ausência de incentivos — como a exigência de um dimensionamento prévio para justificar vagas solicitadas em concursos. Na 1ª edição do CPNU, por exemplo, nenhum dos órgãos participantes teve a aprovação de vagas condicionada ao dimensionamento prévio da força de trabalho. Apesar disso, é inegável que o governo federal dispõe hoje de maior capacidade para implementar essas medidas, em razão da existência de metodologia consolidada e de uma área específica no órgão central dedicada a apoiar os órgãos setoriais nessa tarefa. Quanto ao estágio probatório, o Decreto nº 12.374/2025 representou um avanço, sobretudo ao instituir o programa de desenvolvimento inicial. Entretanto, ainda persistem dificuldades na gestão do desempenho de servidores, tanto em estágio probatório quanto efetivos.
Persistem, contudo, os mesmos desafios de viabilidade técnica, especialmente nos municípios, já apontados em notas técnicas anteriores. Mesmo que a reforma prometa economia no longo prazo, sua implementação pode demandar investimentos significativos em capacitação, consultorias, sistemas e comunicação — custos que municípios com baixo espaço fiscal podem não conseguir suportar. Uma possível solução seria a formação de consórcios entre municípios menores para viabilizar a implementação das mudanças ou a criação de um fundo nacional de melhoria da gestão pública com incentivos financeiros vinculados à melhoria de indicadores de capacidade estatal, hipóteses que merecem ser mais bem exploradas. Independentemente do formato adotado, é inegável que estados e municípios precisarão de apoio para implementar as medidas propostas nesta reforma. A simples inclusão de obrigatoriedades em leis ou na Constituição não garante, por si só, que essas medidas serão efetivamente aplicadas.
Referências bibliográficas
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COELHO, F.; MENON, I. A quantas anda a gestão de recursos humanos no setor público? Um ensaio a partir das (dis)funções do processo de recrutamento e seleção – os concursos públicos. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 69, edição especial Repensando o Estado Brasileiro, p. 151–180, 2018.
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EBERHARDT, M. et al. Gender Differences in Reference Letters: Evidence from the Economics Job Market. The Economic Journal, uead045, 2023.
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REPÚBLICA.ORG. Panorama de Gestão de Pessoas, 2025. Disponível em: https://republica.org/emdados/conteudo/panorama-gestao-de-pessoas-governo-federal/. Acesso em: out. 2025.
RIVERA, L. A.; TILCSIK, A. Scaling down inequality: Rating scales, gender bias, and the architecture of evaluation. American Sociological Review, v. 84, n. 2, p. 248–274, 2019. DOI: https://doi.org/10.1177/0003122419833601.
SERRANO, A. et al. Dimensionamento na Administração Pública Federal: avanços e resultados alcançados. Brasília: Universidade de Brasília, 2022.